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Na rota Belém-Bragança, o verão paraense brilha entre igarapés, praias e muita história

O que você acha de pegar uma boa estrada nessas férias e, de quebra, conhecer recantos onde é possível mergulhar em calmas águas de belos igarapés, rios e praias? E, além disso, poder trilhar e testemunhar paisagens que ainda guardam relíquias e patrimônios históricos e culturais, que nos ajudam a entender e vislumbar fatos decisivos da história do Pará? Pois é exatamente isso que oferece a Rota Turística Histórica Belém-Bragança, um roteiro especial pelas estradas do Estado que é um verdadeiro museu a céu aberto, com inúmeras atrações para quem quer descobrir novas paisagens do Pará.

O passeio rodoviário na rota já é considerado patrimônio cultural e imaterial dos paraenses. E recentemente, com investimentos da Secretaria de Estado de Turismo (Setur), ganhou sinalização rodoviária, que orienta quem quer descobrir suas atrações. São 223 quilômetros, que podem ser percorridos preferencialmente sem pressa, e com muita atenção aos detalhes e atrativos espalhados por um percurso que se estende do Distrito de Icoaraci, e do Bairro de São Brás, em Belém, até o município de Bragança, no nordeste paraense.

Quilômetro a quilômetro, e a cada palmo de pontes, velhos casarios e, por vezes, até ruínas, picadas na mata e trechos de terra batida – francos convites a almas mais aventureiras -, o que essa rota turística nos conta é a história da extinta Estrada de Ferro de Bragança, que nos áureos tempos do Ciclo da Borracha, no final do século XIX e início do século XX, ligou Belém a uma das mais antigas cidades da Zona do Salgado.

Expondo o glamour e os capítulos da derrocada do empreendimento, que foi decisivo para o desenvolvimento e a ocupação do Pará e da porção oriental da Amazônia, a rota envolve 13 municípios, além de Belém e Bragança: nos trilhos da estrada de ferro se entrelaçaram também os caminhos de Ananindeua, Marituba, Benevides, Santa Izabel do Pará, Castanhal, São Francisco do Pará, Igarapé-Açu, Nova Timboteua, Peixe-Boi, Capanema e Tracuateua. E os atrativos e descobertas se espalham pela BR-316 (Belém a Castanhal), PA-320 (Castanhal a Igarapé-Açu), PA-242 (Igarapé-Açu a Capanema) e BR-308 (Capanema a Bragança).

História sobre trilhos – Após 80 anos de funcionamento – o seu primeiro trecho foi inaugurado em 1884 -, a Estrada de Ferro de Bragança (EFB) foi melancolicamente desativada em 31 de dezembro de 1964, sob o peso da ditadura militar. Francamente alinhado com uma grande necessidade norte-americana de expansão dos mercados consumidores de automóveis em todo o planeta, o Brasil daquela época reverberava um ideário de modernidade, que via nas auto-estradas a redenção e nas ferrovias a representação máxima do atraso.

Entre os maiores exemplos desse momento peculiar do Brasil estão os trilhos arrancados de todos os quilômetros iniciais da ferrovia, que partia de São Brás. Tudo para a construção da Avenida Almirante Barroso. Também são chocantes, nesses capítulos da história paraense, os registros de como comunidades inteiras, formadas ao longo do caminho férreo, foram simplesmente abandonadas, de um dia para o outro, sem conexão de transporte com o resto do Estado, após a extinção da circulação dos trens naquele último dia de dezembro de 1964. Populações inteiras ficaram ilhadas. “Muitos que partiram naquele dia para a capital não puderam mais voltar as suas cidades de origem”, conta o escritor e historiador paraense Leôncio Siqueira, autor do livro “Trilhos: o caminho dos sonhos”, que narra a história da Ferrovia Belém-Bragança.

E sem notícias do que havia acontecido, muitas cidades tiveram que abrir novos caminhos e restabelecer, de novo, a comunicação com o Estado. São fatos que reverberam até hoje no ordenamento socioeconômico da região.

“A Estrada de Ferro de Bragança surgiu num cenário único. Belém havia crescido 400% em pouco tempo, movida pela economia da borracha, e havia necessidade de suprir demandas alimentícias. Ao mesmo tempo, nossa agricultura estava esfacelada por acontecimentos que marcaram o século XIX, como a Cabanagem”, destaca Leôncio Siqueira.

Foi assim que governos do Pará passaram a investir na formação de colônias agrícolas rumo ao nordeste paraense, sendo Benevides a primeira, com mais de 364 europeus instalados em 1865. “A estrada de ferro foi o motor desse desenvolvimento, criando comunidades que deram origem a diversos municípios, que hoje se estendem até Bragança. Transportando cargas e pessoas, foi um vetor de grande interação cultural e econômica”, afirma o escritor.

De Belém a Castanhal – Resquícios dessas páginas da história do Pará ainda estão à disposição de olhares mais curiosos na própria Região Metropolitana de Belém, embora a maior parte dos vestígios tenha sido apagada - como a estação ferroviária, de onde partiam as locomotivas, em São Brás, demolida para dar lugar ao atual Terminal Rodoviário.

Em Icoaraci, uma dessas raridades é o casario da antiga Estação Pinheiro, o ponto final do ramal da Estrada de Ferro de Bragança, que levava o trem de passageiros até o distrito. O velho prédio ainda pode ser visto na Praça da Matriz. Da mesma maneira, ainda resiste a centenária construção da Caixa D'Água de Marituba, com seus serenos pilares marcados por arcos, à margem da agitada BR-316. Na época, as caixas d’água eram importantes no trajeto de toda a ferrovia porque a água era essencial para o funcionamento das locomotivas a vapor.

Em Benevides e Santa Izabel, antigas estações e até velhas moradias de empregados da ferrovia ainda podem ser vistas em prédios públicos, transformados em repartições, centros comerciais e até agências postais. A fazenda Moema também guarda ruínas.

E para além das velhas estações desativadas, ruínas, caixas d’água e pontes de ferro que ainda podem ser visitadas ao longo da rota histórica da estrada de ferro, poucas relíquias dos trens que cruzavam o Estado no passado podem ser vistas em lugares públicos. Uma delas é o vagão que foi, no passado, inteiramente dedicado a servir de transporte para o governador Magalhães Barata pelo interior do Estado. Ele está preservado e permanece em exposição no Parque Residência, na Avenida Magalhães Barata, em São Brás.

Outra raridade é a locomotiva Castanhal 28, a única, entre as várias que circulavam pela ferrovia, que pode ser visitada. A velha “maria-fumaça”, que passou a ligar Castanhal à rede ferroviária bragantina a partir de 1904, hoje está exposta em praça pública na “Cidade Modelo”. Ela pode ser conferida, detalhe a detalhe, no galpão especial instalado na Praça da Associação Comercial e Industrial de Castanhal, no Bairro Estrela.

Águas e relíquias – A partir de Castanhal, as diversas opções de banhos em igarapés e rios, intercaladas por belas estruturas remanescentes das estações, pontes e trilhos da estrada de ferro, fazem do trecho seguinte da Rota Turística Belém-Bragança o mais atrativo. Na PA-320, o destaque é a parada nas águas do igarapé que banha a localidade de Jambu-Açu, no município de São Francisco do Pará. Além das belezas do tranquilo balneário, é lá que fica a Ponte Invertida, construída totalmente em ferro, sobre as águas frias do Jambu-Açu.

No trecho da PA-242, que liga Igarapé-Açu a Capanema, o destaque é a parada obrigatória na ponte de ferro sobre o rio Livramento, na comunidade quilombola de Nossa Senhora do Livramento. A estrutura de metal tem uma beleza peculiar, aliada a mais uma caixa d´água da ferrovia. Igarapé-Açu marca exatamente a metade do caminho para Bragança, e toda a extensão da rota histórica na PA-242 encontra-se em excelente estado. A estrada também está incluída entre as cinco prioridades de novos investimentos nas rodovias paraenses, previstos para os próximos dois anos. O Governo do Estado quer pavimentar seus outros 23 quilômetros, que ligam Santo Antônio do Tauá a Castanhal.

Ainda na PA-242, enquanto Nova Timboteua e Peixe-Boi guardam mais duas estações ferroviárias, as caudalosas águas do Rio Peixe-Boi, e a bem cuidada área para veranistas, convidam ao banho refrescante em águas límpidas.

Off-road- A partir de Capanema, a rota histórica também guarda boas surpresas e diversidade de opções. Para os mais aventureiros há um trecho sem asfalto de 16 quilômetros, que leva à localidade de Tauari - onde encontramos outra estação desativada. São cerca de 40 minutos por uma trilha off-road de piçarra, que corta várias comunidades – sugerida apenas para quem partiu para o passeio com veículos aptos a vencer obstáculos naturais, como a lama.

Também é possível chegar a Tauari pela BR-308 (o trecho final que leva a Bragança), em 22 quilômetros de asfalto. De Tauari, também por bons nove quilômetros de asfalto, se chega a um dos melhores balneários da Rota Histórica da Ferrovia Belém-Bragança. Na localidade de Mirasselvas, outra estação ferroviária pode ser encontrada – esta mais preservada -, mas a grande atração é o banho nas águas escuras, mas surpreendentemente cristalinas, do Rio Quatipuru. Ele é a penúltima oportunidade de banho sossegado em águas refrescantes antes de Bragança. O próximo balneário, Bucania, fica às margens da BR-308, e também se destaca pela beleza.

Mergulhados nas águas do Rio Quatipuru ao sol do meio-dia, o carioca Raimundo Oliveira, 43 anos, e a paraense Mônica Lima, 35, esquecem estar em plena quarta-feira. Só o barulho das águas e das suas próprias vozes imperava no local. “Essa tranquilidade e esse silêncio não têm preço. Esse rio é um paraíso”, afirma o casal, que há 12 anos mora no Grajaú, no Rio de Janeiro. “Sempre venho nas férias. Sou daqui”, conta a sorridente Mônica. O que é um desfrute anual para os “pariocas” do Grajaú é um privilégio cotidiano para o casal Joaquim Reis, 34, técnico em enfermagem, e Milena Costa, 22, moradores de Tracuateua. “Sempre tomamos banho aqui, todos os dias. É uma delícia. É só entrar e deixar a preocupação ir embora”, ressalta Milena.

Pérola do Caeté – Poucos minutos além das 06 horas, as águas espelhadas do Rio Caeté contrastam com o movimento frenético do porto. Lá em cima, o casario e a Igreja de São Benedito ajudam o céu azul de Bragança a emoldurar a chegada de um novo dia. Na parte de baixo, as palavras se misturam aos aromas próprios do porto: o jogo do Remo, comentários sobre o Papão (eterno rival azulino), 12 ou quatro quilos, 12 reais e cinquenta e tantos centavos.

“É pescada, gurijuba. São até oito mil quilos cada vez que a gente aporta aqui. Hoje são dois mil quilos só de gurijuba. Num barco desses temos R$ 36 mil em mercadoria”, conta Benedito da Silva Miranda, que faz contas sem tirar os olhos da escotilha aberta que leva à geleira do barco. Também fica atento aos oito homens que correm para descarregar os peixes, como se nunca mais fossem acabar o serviço.

Um deles é outro Bené, dos muitos que se encontram na terra abraçada com carinho pelo padroeiro gigante (São Benedito), que virou imponente mirante de mais de 180 degraus - com seu pão à mão direita e o menino Jesus no colo esquerdo. O Benedito de Souza, 30 anos, quase não fala. É como se fosse mais um dos peixes que joga para fora do barco. Só confirma que há quase 20 anos trabalha embarcado. Começou menino. Põe a luva e some de novo no porão. “Foram 15 dias na costa do Amapá. Voltaram hoje”, informa, por ele, o gerente do barco São Cristóvão Dois.

Com 120.124 habitantes, Bragança fará 403 anos de fundação no próximo dia 8 de julho. A fartura da pesca foi uma das principais redenções da região quando a bancarrota veio dos trilhos arrancados da extinta ferrovia. O mar é o melhor amigo da cidade, que no baú de tesouros dos bragantinos é a “Pérola do Caeté”.

Muito trabalho no verão - “Vamos ter o melhor verão de todos. Precisamos muito. Passamos um ano muito ruim, de crise. Julho tudo sempre melhora para todo mundo”, diz, animada, Eliana Martins, 49 anos, a dona “Lilica”. Com a destreza advinda da experiência, que permite o manuseio sem segredos da lâmina, ela descama outro peixe no jirau modesto, em mais uma entre as várias barracas de madeira que se espalham pela Praia de Ajuruteua, um dos recantos oceânicos de Bragança.

Dona “Lilica” fala como se estivesse se reerguendo. Vende lanches o ano todo, como ambulante. São décadas acreditando que vender comida é o que coloca o pão na mesa. E julho é o momento especial dessa rotina de valente sobrevivência. “Vamos fazer ser bom”, responde a quem pergunta sobre as adversidades impostas pelo avanço recente do mar sobre os bares, restaurantes, hotéis e pousadas espalhados ao longo da praia. “As pessoas já vão chegar e precisamos estar prontos. Precisamos de apoio”, suspira, apontando com a faca para o horizonte, na direção das barracas.

A ajuda vem chegando quilômetro a quilômetro. A recuperação completa do trecho de 37 quilômetros da PA-487, que liga Bragança à Praia de Ajuruteua, também foi incluída na lista de prioridades do Governo do Estado para os próximos dois anos. Já foram concluídas as obras de todas as pontes desse trecho, construídas em concreto. Agora será feito um novo recapeamento integral da estrada, que rasga a vasta região de mangue preservado. Tão preservado que não é difícil a viajantes, olhando pela janela, lembrarem da lenda de Ataíde – o ser mítico, de membros enormes, que espanta quem maltrata a natureza, na crença dos homens que ganham a vida na lama de Bragança, catando caranguejos.

Na semana que marcou a véspera de julho, o cenário em Ajuruteua era o mesmo de uma pequena cidade que se refaz, freneticamente. Batidas de martelo, serrotes e pincéis retocando a madeira são vistos e ouvidos por toda parte, mesmo diante dos escombros de alvenaria que ainda não foram retirados. Seria o mar também mais um dos longos braços de Ataíde?

“Aqui é lindo de qualquer jeito. As pessoas não deixarão de vir por isso. Cabe a Ajuruteua, agora, se refazer, entender o que a natureza está dizendo e ir em frente”, pondera Jéssica Corrêa, tomando sol na areia ao lado da prima, a técnica de enfermagem Jeane Corrêa. A paraense Jéssica, que trabalha há anos como analista de advocacia em São Paulo, veio passar o mês de junho na praia que mais aprecia na sua terra natal. “Aqui as águas são calmas”, garante.

Serviço da Rota Turística Histórica Belém-Bragança
Trajeto: 223 quilômetros de Belém até Bragança, incluindo Ananindeua, Marituba, Benevides, Santa Izabel do Pará, Castanhal, São Francisco do Pará, Igarapé-Açu, Nova Timboteua, Peixe-Boi, Capanema e Tracuateua.
Principais atrações: uma vasta rede de igarapés e tranquilos balneários se estendem por toda a rota, que é marcada por pontes e antigas construções da estrada de ferro. Na Pérola do Caeté, o calçadão da orla e o centro histórico da cidade reúnem diversas atrações turísticas e gastronômicas, praças, bares e sorveterias, rodeados por um belo e preservado conjunto arquitetônico, que inclui o Teatro Museu da Marujada, a Igreja de São Benedito e o galpão da Marujada.   
Tempo estimado: três a quatro horas (ou mais, dependendo da disponibilidade de paradas).
Estimativas de custos em Bragança.
Hotéis
Há variadas opções de diárias e instalações de boa qualidade. Os preços variam de R$ 60,00 a R$ 220,00.
Alimentação
Há diversas pizzarias, peixarias, hamburguerias, sorveterias e casas de lanches. Nos restaurantes, os pratos oferecem boas opções, com preços variando de R$ 15,00 a R$ 85,00, para duas ou quatro pessoas.
Farinha de Bragança
Considerada a mais saborosa do Pará. É encontrada entre R$ 5,00 a R$ 7,00 o quilo (comum ou lavada).

Fonte: Agência Pará / Por: Lázaro Magalhães

Fotos: Agência Pará